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Vem, vem! Todo mundo juntinho para foto. Click!

Quero esta foto no topo da nossa árvore de Natal. A família mais linda do mundo. Estamos a uma semana da grande ceia. Precisamos conferir se não falta nada para nossa mesa.

Espero que não escalem a mim para qualquer emergência no hospital bem no dia da confraternização que reunirá meus grandes amigos de infância, vizinhos queridos e até os parentes mais distantes. Ai, que ansiedade! Quanto mais penso, mais demora. Queria poder adiantar o tempo em um dia. Um só.

Noite do dia 23, e o que eu temia aconteceu. Uma emergência surgiu no hospital e eu tive que correr para não perder os últimos preparativos da nossa festa. Não imaginava que fosse tão grave, mas a gravidade durou até a tarde do dia seguinte. No final da cirurgia, dei-me conta do quão linda e jovem era aquela mulher, da suavidade e maciez da sua pele. Ela parecia adormecer num sono profundo quando me retirei da sala.

Corri para casa e cheguei no exato momento em que minha família fazia os últimos ajustes (mesa, árvore, pratos etc). Um momento mágico e muito bonito de se ver, embora fosse uma tradição nossa. Aos poucos, amigos do trabalho e outros de infância se acomodavam na sala. Pareciam me ignorar, ou eu que estava mesmo cansada, porém, feliz.

O telefone toca, expressões de indignação e revolta surgem, choros coletivos ecoam. Era alguém do hospital avisando que eu havia falecido há alguns minutos. O sangramento que deixei há instantes na mesa de cirurgia, agora, fervia dentro de mim por mais que eu soubesse – e mais ninguém – que o meu fim estava próximo devido a uma doença rara e incurável.

Por algumas horas, cheguei a acreditar que conseguiria passar mais um Natal com os seres que eu mais amava. Fiz questão de ligar para cada um. Mesmo ciente que as chances eram remotas, fiz uma dedicatória no verso da foto que tiramos juntos entre todas outras:

“Já passa de meia-noite e a felicidade ainda transborda em mim. Consegui reunir as pessoas que mais amo nesta noite que eu levarei comigo para todo sempre. Vocês não conseguem notar minha presença, mas podem senti-la. Sintam a felicidade e o amor que reservei para vocês. Estou muito emocionada e agradecida por atenderem ao meu último pedido. Não morram em vida, amem-se! Não se apaguem enquanto houver luz. Fiquem em paz, assim como eu estou”.

“Dança Com o Meu Pai” – Umas das melhores canções do saudoso Vandross, e ambos consagrados no mundo todo

Antigamente, quando eu era uma criança

Antes que a vida removesse toda a inocência

Meu pai me levantaria bem no alto

E dançaria com a minha mãe e comigo, e então…

Rodaria-me até eu cair no sono

E, então, me carregaria escada acima

E eu sabia, com certeza,

Que era amado

Refrão

Se eu pudesse ter outra chance

Outra caminhada, outra dança com ele

Eu tocaria uma canção que nunca, jamais acabaria

Como eu adoraria, adoraria, adoraria dançar com meu pai de novo

Quando eu e minha mãe discordávamos

Pra ficar do meu jeito, eu corria dela pra ele

Ele me fazia rir, só para me confortar, sim, sim

Então, finalmente, me colocava a fazer o que minha mãe disse

Naquela noite, mais tarde, quando eu estava dormindo

Ele deixara um dólar em baixo do meu cobertor

Nunca sonharia que ele

Partiria para longe de mim

Se eu pudesse roubar um último olhar

Um último passo, uma última dança com ele

Eu tocaria uma canção que nunca, jamais acabaria

Pois, eu adoraria, adoraria, adoraria dançar com meu pai novamente

Às vezes, eu tinha escutado através da porta do quarto dela

E a ouvia, mamãe chorando por ele

Rezo mais por ela do que por mim

Rezo mais por ela do que por mim

Sei que estou rezando por muito além da conta

Mas Você poderia mandar de volta o único homem que ela amou?

Sei que Você não faz isso com frequência

Mas, Senhor, ela morreria por mais uma dança com meu pai

Toda noite quando caio no sono

Isso é tudo o que eu sonho

Mas e você?

Lembro-me perfeitamente, como se fosse hoje, de você estudando, aconselhando todos a determinadas atitudes, suando pelos seus objetivos, colocando sempre os seus ideais em primeiro lugar. Eu admirava muito isso em você. Era o seu maior fã. Era!

O que houve contigo? Está tudo bem? A sua vida está imersa a outros planos, a ideais que você nunca vislumbrou, a crenças antes aceitas por qualquer um, menos por você. E esta roupa? Há um tempo nem tão distante, você debochava até desses acessórios, tampouco permitia seu som sintonizar esse tipo de música. E, no entanto, você ainda faz tudo isso com precisão e com a garra característica sua.

Certa vez, você estava feliz com aquele projeto pelo qual você batalhou até conseguir aprovação para executá-lo. E você não o executou. Preferiu dedicar-se a outro projeto que se materializou na sua frente e que nunca lhe deu o devido valor. Você não mais sorri, só reclama; quando não só reclama, ainda chora. Você se reconhece?

Agora, esse “projeto” executou, aconteceu e conquistou tudo o que devia ser conquistado. Já não precisa mais de você como apoio, ou melhor, à frente de sonhos nunca sonhados por você. O “projeto” queria apenas aprender a andar com as próprias pernas, e você o fez direitinho.

Bem, agora só, é hora de você retomar a sua rotina e reaver tudo o que foi aposentado durante os anos que você não foi você. Voltar a ser quem você sempre foi antes de viver em função de experiências alheias.

Recomeçar é difícil, mas se faz necessário. Ceder é fundamental para conhecer outros ideais, outras crenças e realidades, porém, sem matar os seus. Permita-se com cautela e, sobretudo, ame-se.

Ficamos lisonjeados ao sermos comparados à beleza de astros e estrelas da TV e do cinema. O ego vai lá em cima, caprichamos mais no visual e, consequentemente, deixamos a vaidade aflorar, às vezes, pecando pelo excesso. E nem precisa de tanto quando se é igual de verdade. Todos notam a semelhança na rua, no trabalho, na escola, enfim.

A mesma coisa acontece quando aparentemente lembramos o conhecido de um amigo seu, o ex de fulana ou, na pior, mas bem pior das hipóteses, a bola da vez da Polícia. Aí, a casa caiu de vez. Em fração de segundos, você está algemado ou mesmo morto por eles, os desapercebidos agentes de segurança pública, e por motivos banais, que nem de longe justificam a sua prisão ou morte.

É um show de “achismo” gratuito de dar pena. “Achamos que ele tinha o mesmo nome que o bandido que procurávamos”, ou “Ele usava uma ferramenta de trabalho que a achamos muito parecida com uma arma”. Esquecem que bandido também tem nome de batismo e tão comum quanto o seu e o meu. Não se dão o trabalho de, pelo menos, perguntar o nosso nome, conferir documentos e levantar antecedentes. Tudo fica mais simples aos pontapés, socos e tiros. Para que um interrogatório, não é mesmo?

Ok! Mas a culpa de tudo isso é de quem? Sua, por se parecer demais com alguém? Minha, por trabalhar justamente na hora em que eles invadiram a minha casa sem o meu consentimento? Ou da ingenuidade brutal da Polícia, que prefere espancar e matar a identificar?

Tarde! Violência Policial também é crime, mesmo sendo sem querer querendo.

por Adolfo Ferraz

Volta e meia, ouço comentários e muitas críticas de telespectadores indignados com o perfil de um vencedor de reality show. “Só vencem (o programa) os que não precisam”, revoltam-se muitos aficionados por show da vida real.

Quem não precisa de R$ 1 milhão ou qualquer cem reais? Pode não ser uma necessidade para uns, mas qualquer terráqueo adoraria amanhecer rico ou ainda mais milionário, rodeado de notebooks, home theaters, moto(s), carro(s), valiosos utensílios domésticos, sem precisar gastar uma moeda.

Sim, concordo que atrações como estas quase não dão oportunidade aos menos favorecidos financeiramente. Estamos acostumados a dar a famosa espiadinha em jovens burgueses, bem relacionados – e selecionados a dedo -; às vezes, de família tradicional etc. Contudo, muitos são humildes, não se deslumbram com o status adquirido e sabem respeitar as diferenças em um ambiente de pura pressão psicológica que deixa quaisquer nervos a flor da pele.

Do outro lado, quando se há oportunidade, vemos a rara pobreza em forma de gente dando adeus à única chance. Uma miséria que não se sustenta por mais de dois meses em quase três de programa, acompanhada sempre do mesmo roteiro: um drama constante de fome, luta, dor e cor de pele (não necessariamente nesta ordem). Não consegue viver integralmente outro mundo sem tentar convencer a riqueza e o país de que merece mais do que os demais por ser desafortunada – vislumbra desgraça e, quando não, é inconveniente, regada a preconceitos e sensacionalista.

Reality show com anônimos ou famosos é um jogo de estereótipos, personalidade, equilíbrio emocional, caráter e, sobretudo, AUDIÊNCIA. Se for rico ou pobre, branco ou negro, bonito ou feio, quem vence ou chega à grande final é a inteligência, e não a pobreza de espírito.

por Adolfo Ferraz

Hoje pela manhã, recebi um e-mail de uma colega de trabalho com o assunto: “O que você faria?”. Não sou fã de frases feitas, textos prontos etc, mas o tema me chamou a atenção e, por isso, gostaria de partilhá-lo com vocês.

A minha opinião está expressa em meus Comments.


O que você faria…?

Imagine a seguinte situação: a pessoa que você mais se importa, aquela que você mais ama e se dedica em sua vida está em coma após um acidente. Vocês conversaram normalmente no café-da-manhã e ela sofreu esse acidente por volta da hora do almoço. Você ficou sabendo apenas no final da noite.

Ela está em coma induzido e não há como salvá-la. Os médicos dizem que a única coisa possível é despertá-la por mais duas horas. Ela teria apenas mais duas horas de vida consciente.

A pergunta é: você ligaria os aparelhos e teria essas duas horas apenas com ela? Deixaria que ela acordasse para saber que iria morrer em poucos minutos? Pense por alguns minutos antes de continuar… Pense: o que você faria?

Se você respondeu que sim, que a acordaria, você é um egoísta filho da puta! Quer que ela esteja consciente apenas para saciar seu sentimento de ouvi-la e senti-la pela última vez. Não está pensando em como será para ela despertar e saber que morrerá logo em seguida. Não está preocupado em como isso irá afetá-la emocionalmente, mesmo que por míseros minutos. Está apenas querendo saciar seu desejo interno de tê-la pela última vez. Isso não é louvável: é umbiguismo mesquinho!

Se você respondeu que não, que não a acordaria, você é um covarde filho da puta! Não quer viver com o peso de ter causado sofrimento a alguém que tanto amava. Tem medo de como seria para essa pessoa acordar e receber tal notícia. E esse medo tiraria desta pessoa, talvez, uma última chance de mostrar algo a você, ao mundo… quase uma memória pré-póstuma! Não enfrenta o medo pois não sabe se a pessoa realmente queria esse último momento ou se vai amaldiçoá-lo por tê-la feito sofrer tanto com essa notícia iminente.

Não há resposta certa… nem resposta errada. Talvez nem haja uma resposta, de fato!

Agora pare e reflita: e se fosse você naquela cama? Gostaria de ter mais duas horas no mundo? Ou preferiria não passar por essa angústia? Egoísta por querer mais… ou covarde por querer menos?

Responda: o que você faria?

por Adolfo Ferraz

É difícil ter que levantar. O corpo ainda adormece e a alma sequer quer despertar. O tempo? As pessoas? Ai, as pessoas! São elas o grande motivo para o meu desespero. Preciso sair dessa dependência, desse lugar que me faz refém. A liberdade custa caro, sabia? Mas não fujo, pois me sinto abandonado.

Levanto, rastejo-me em direção ao cativeiro por mim mesmo – lugar esse que eu criei e agora não consigo me desvencilhar. Permaneço lá, sentado, com medo, sob olhares desviados, diante de palavras duvidosas, de sorrisos suspeitos e com uma arma apontada para a minha cabeça. Toda hora acho que é a minha hora, mas não sei de quê. Sei que é a minha hora. E essa sensação ora me deixa feliz – por um fio de esperança -, ora me deixa triste – por achar que a esperança foi algo inventado para apenas nos confortar na infelicidade.

Alguém grita. Tão alto quanto o meu. Uma mão se estende e o céu se abre. Eu continuo gritando, cada vez mais alto. A voz embarga, a alma se entrega e a esperança… Que esperança? A noite se aproxima, o sol põe-se. Passarei mais um dia angustiado.

Reabro os olhos ao amanhecer de mais um dia. Não sinto aquele desespero, mas tenho medo. Acho que é tensão. Sinto que não sou incrédulo. Então, caminho, porém, com esperança. Deparo-me com outras pessoas, todas iguais a mim, com voz leve, achando graça em seus dizeres, seus afazeres, o que me faz feliz.

Nem sempre  o que pagam para fazermos por eles é o que realmente gostaríamos de fazer. Prostituímo-nos por muito, e reclamando do muito que temos. É insuficiente para conquistar a felicidade. Ter de acordar e caminhar para executar o nosso bel-prazer, não há preço no mundo que possa pagar. Contudo, qualquer quantia será bem-vinda para compensar o nosso talento, a nossa alegria, enfim, a nossa capacidade de sermos felizes no trabalho, no amor, entre famílias e amigos ou em qualquer lugar onde esteja a esperança. Fazemos até de graça.

por Adolfo Ferraz

O tempo passa, passa e eu me sinto cada vez mais careta. Às vezes, penso que não sou tão careta assim, mas que a juventude está mais marginalizada. Cadê aquela pobre e inocente criança que, todos os anos, escrevia ao Papai Noel pedindo pela centésima vez uma bicicleta? Nunca perdia a esperança e sempre acreditava que, um dia, sua cartinha seria escolhida pelo bom velhinho. Você vai dizer que tudo isso é uma grande merda, antiquado, mas foram bons tempos da nossa infância.

Hoje, a menina de sete anos trocou a Barbie pela calça da Gang, e é exibida pela sua mãe a todas as amigas. O menino prodígio aprendeu bem cedinho a mandar seus pais “se fod…”, ganhou barba e bigode, jura que “pega” dez minas em um inferninho intitulado por ele de balada; fuma e bebe para ressaltar sua masculinidade em meio a sua turma de adolescentes machos-viris.

Há quem chame essa mudança brusca de modernidade; na pior das hipóteses, marginalidade. Independentemente do rótulo, má-educação só gera má-formação. É deplorável ver uma mãe orgulhando-se de um futuro deformado: “Olha que bonitinho, menina! Ele já sabe falar caralh…” E o pai, então? Fica bobo ao ver seu meninão em uma roda cheia de pingaiadas, fazendo gestos obscenos e esbanjando termos chulos. “Esse é meu garoto!”. Na verdade, ele é seu espelho ou sua frustração por não ter sido igual. É o mesmo pivete que vai crescer e agredir sua própria mãe se contrariá-lo em seus caprichos, e humilhar seu pai.

Esqueceu que, quando chegam aos 16 anos, sentem-se os donos do mundo? O que era orgulho vira tormento para quem não soube levá-los. Você perdeu o controle sobre sua plantação e colheu o que não jamais pretendia, mesmo caminhando para o abismo. Isso também faz parte. Antiquado, bobagem? Imagina! No mínimo, está na moda. Só faz parte, de verdade, a harmonia que plantamos e a boa educação que absorveram durante o crescimento. A televisão, a música e a arte em geral estão aí para serem tragadas. Como qualquer alimento, devemos selecionar apenas o que é bom para o nosso intestino.

Sinto-me aliviado ao ver minha lindinha escrevendo ao Papai Noel a ter que enxergar que ela ganhou seios, menstrua e se corresponde com um presidiário. Preconceito, talvez. Não sou hipócrita. Dei o melhor de mim a ela para que não tivesse um amor bandido vindo de muitos “caralh…”, “fdp” e “vai se f…!”. Sem generalizar. Talvez, o detento, quando pequeno, não tivesse tido a mesma sorte que ela.

Felizmente ou nem tanto, o mundo aguarda teu filho de braços abertos. Não o crie para você, crie-o para as adversidades ao longo da vida. Dê o melhor de si a eles, pois, do resto, o mundo vai encarregar-se de ensiná-los.

por Adolfo Ferraz

Foi bom pra você? Pra mim, foi ótimo! Parece que nos conhecemos há décadas. Tudo foi tão cúmplice, tão verdadeiro, mais que real. Imagina! Nos envolvemos muito rápido e, quando acordamos deste sonho, você já estava aqui do meu lado. Bastaram apenas cinco dias, desde que ultrapassamos a tela do computador. Nunca senti nada igual e, pela primeira vez, não me faltou nada. Tive você e tive tudo. Mas tenho medo de tudo isso, sabia? Ao mesmo tempo, teus sentimentos me passam segurança. “Se você pular, eu pulo”, é assim que dizíamos um ao outro.

Verão, noitadas à beira da praia e troca mútua de carícias. Momentos tórridos e cada vez mais envolventes de um mundinho só nosso e de mais ninguém. Mas nosso mundinho foi invadido pelas amizades, culminando os ciúmes, as brigas desnecessárias, porém, quase que diárias. Nosso amor era capaz de superar qualquer desentendimento, mas nosso orgulho, nem todos, muito menos o último. Separamo-nos e cada um seguiu o seu destino.

Os anos foram passando, passando e passando. Você, dedicando-se ao seu trabalho – nunca soube do que se tratara -, e sempre me ligando. Eu, que passei a conhecer-te melhor depois do fim do que parecia ser um grande amor, encontro-me no leito de um hospital, aos prantos, com a respiração ofegante, sabendo que nunca mais vou te esquecer, por mais que eu quisesse. Não é depressão. Você foi embora e presenteou-me com algo que eu jamais pensei ganhar: o vírus da Aids.


Só agora entendo o quão cega foi a nossa relação. Contentei-me com a proteção dos seus sentimentos e fechei os olhos para o resto. É verdade, ficamos cegos, os pés saem do chão. Eu queria tanto ter meu chão de volta, o mundo desabou sobre a minha cabeça e eu não tive onde me apoiar. Se eu pudesse ao menos voltar atrás. Agora, é tarde. Senhor!

Não te condeno inteiramente por tudo isso, nem mesmo a Deus. Eu também tive culpa. Por mais que você esteja do meu lado hoje, mesmo separados por uma cama, o leito é o mesmo. Não compreendo por que mereci a sua covardia. Não que dez anos não fossem suficientes para eu aceitar a sua omissão, mas juro que não compreendo. Tive você e tive tudo, de bom e de ruim. Apesar dos pesares, me despeço feliz. Foi contigo que aprendi o verdadeiro significado do amor, da cumplicidade, do respeito, da fidelidade e da reciprocidade, sentimentos que não tive nem da minha família. Cheguei a pensar que morreria sem saber e sentir tudo isso. Não te condeno mesmo; agradeço-lhe. Chegarei ao Paraíso, embalado pela melodia de “Tears in Heaven” (Eric Clapton), como a pessoa mais feliz do mundo, no entanto, seis meses antes que você, como os médicos haviam previsto. É provável que nos veremos lá. Adeus.

por Adolfo Ferraz

Já ganhei o centrão de São Paulo, uma de boca de porco que chamo de minha casa. É nestas ruas imundas, de gente suja, que durmo e faço minhas refeições diárias. Acostumei-me. Não tenho a menor esperança de um dia sair da calçada ladrilhada para repousar minha cabeça em um travesseiro frio e esticar-me numa cama de pau. O chafariz da Praça da Sé é a banheira dos meus sonhos; a porta do Metrô é o meu reduto. Cheguei à conclusão de que o conforto chega só para alguns. Talvez, tivesse eu o azar de ter nascido.

Sou filho do mundo, vim do nada e para o nada eu voltarei. Descobri, com o tempo, que minha procriadora é uma máquina de fazer filhos, e depois os divide nos grandes faróis do inferno. A cola, o craque e a maconha são as sobremesas em fartura – o cigarro não faz mais efeito. Duas vezes por mês, consigo um extra.

Extra, aqui, é o meio mais fácil de levantar uma grana para comermos o comercial. Sim, me prostituo; furto e roubo sempre que necessários. É o que tem pra hoje. Não perco tempo ouvindo mentiras que os nossos políticos nos fazem engolir. Isso não me alimenta. O que supri a minha fome são os restos, tudo o que vem do lixão. Sou castigado desde que nasci, e até hoje não sei o porquê.

Gostaria muito, pelo menos por um dia, de ter a oportunidade de deixar de ser um animal neste mundo cão e poder desfrutar de tudo o que um ser humano tem direito. Como se isto me pertencesse! Bem, vou-me agora. A barriga ronca e o lixo me chama. Apesar de tudo, sobrevivo porque ainda acredito que esse desfecho pode ser digno.